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sábado, 23 de agosto de 2014

Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro - Italo Ricardo Damasceno, aluno do professor Everton Freitas teve seu texto "O Rio das Onças e o Sumiço das Muçulinas" na categoria: Memórias literárias escolhido para representar a escola na etapa Estadual, acesse e leia o texto escolhido





O RIO DAS ONÇAS E O SUMISSO DAS MUSSOLINAS



                 Nasci e me criei no Alto Ferrão, um pequeno lugarzinho, no sertão do Ceará que faz parte da pequena e pacata cidade de Itaiçaba.
                 Foi numa época muito difícil de trabalho e de recursos, época que a pobreza e a fome andavam de mãos dadas.
                 Quando São Pedro e São José não mandavam chuva não tínhamos  um bom inverno e a safra no roçado não era boa, tínhamos que literalmente “escapar” através   da pesca no rio, que cortava  a nossa comunidade, nosso heroico rio Jaguaribe ou rio das Onças, que segundo os mais velhos ganhara esse nome porque muitas onças vinham matar a sua sede às margens dele.
                 Comecei a trabalhar desde os cinco anos de idade junto com meu pai no roçado e muitas vezes passei fome, pois as coisas nessa época, como já falei eram muito escassas, não existiam muitos empregos e ninguém recebia dinheiro do  governo, escola era só para os ricos e  pobre não estudava.
                 Tudo era muito difícil e seria mais difícil ainda se um rio não cortasse  a nossa comunidade.
                 Todos os dias  acordávamos ainda sem ver a luz do dia para irmos ao roçado. Mamãe preparava o café de manjerioba (feitas de uma bajas que ela colhia no meio do mato)  numa lata que nós misturávamos com farinha e fazíamos  o chibé (café misturado com farinha de mandioca) .E em seguida caminhávamos um bom pedaço até chegarmos ao roçado.
                  Passávamos o dia no roçado( limpando, plantando, muitas vezes não colhíamos quase nada, quando  São Pedro não mandava  chuva e o inverno não era bom.
                  Muitas vezes chegávamos cansado em casa e não tínhamos nem o que comer direito.
                   E nessa luta fui crescendo...  e  comecei a ajudar meu pai também na pescaria ,já que  a cada ano o roçado estava sendo menos generoso.
                  Comecei a pescar aos 14 anos, naquele tempo não tínhamos bateira (pequeno barco de pesca) pescávamos dentro do rio com água no pescoço ou em cima das camas de ar (Câmara de pneu de caminhão utilizada como boias),pois o rio era muito fundo e traiçoeiro, sempre ouvia meu pai dizer:            :-Tenha cuidado ,não seja afoito,  pois água não tem cabelo.  Lembro-me bem daquele rio cheio de gamboas (Trecho de rio que só tem água na maré alta e  serve como uma espécie de armadilha para pegar peixes. Cada gamboa tinha sido “batizada”, tinha o seu nome que era carinhosamente chamada:                A do  poço doce, Buraco de Simão, Zé Varela, Gamboa dos Correias e  rio  a baixo tinha a Gamboa Zé Simão, Ingá  e  a Arvera ,que ia até a ponte de Itaiçaba.
                     Hoje as gamboas sumiram, dizem que foi por causa da construção dos viveiros para a criação de camarão, outros dizem que foi a própria natureza. Só sei que as levo intensamente em minha  memória... gamboas que mais pareciam labirintos... Onde nunca nos perdíamos e sempre achávamos com facilidade o pão nosso de cada dia
                   Mas quero falar das pescarias, mesmo não gostando muito, pois tinha medo de me afogar no rio.
                 . Nosso material de pesca era a tarrafa, uma rede feita de linha nylon com chumbo nas bordas que quando arremessada ao rio se abria toda como um guarda-chuva e ia se fechando por causa do peso do chumbo para capturar os peixes. Também pescávamos com um rengai ( uma rede de nylon  que era esticada dentro do rio  e deixada lá por horas , e depois  de um certo tempo íamos retira-la para ver quantos peixes haviam ficado presos.
                    Pegávamos muitos peixes, era muita fartura: bagres, curimatãs,  mas o que mais pegávamos mesmo eram as muçulinas (Peixe bem pequeno , parecido com uma piaba).Esse peixe era praticamente o sustento de todas as famílias da comunidade.Com o inverno ruim e as plantações quase todas perdidas, a maioria das pessoas passavam o dia no rio pescando muçulinas para se alimentar  e também vendê-las.
                 A quantidade era tão grande que muitos não acreditavam no que viam, mas parecia a história da ”Pesca Maravilhosa da bíblia”... Levávamos sacos e mais sacos de muçulinas para casa, às vezes até nossas roupas serviam para levar a enorme quantidade apreendidas. Época de muito peixe,  bem diferente  de hoje  que só escuto reclamação dos poucos pescadores que ainda existem.
              Numa dessas pescarias um fato bastante marcante aconteceu comigo e marcou profundamente a minha vida.
              Como de costume estava pescando com meu pai e a tarrafa ficou presa num pedaço de árvore no fundo do rio. Ai eu quis mostrar para meu pai como eu era corajoso e de imediato mergulhei para desprender a tarrafa. A correnteza começou a me levar para mais fundo. De repente pensei que iria morrer. O forgo (fôlego) começou a faltar, mas como se alguém puxasse para cima, consegui boiar e por pouco não morri afogado...
                Chorei bastante naquele dia, uma mistura de alivio e medo, além disso, ainda levei umas tapas do meu pai.
                Mas nunca me esqueci das muçulinas que com o tempo foram sumindo, sumindo... Hoje não a vemos mais no rio, muito dizem que foi castigo de Deus, pois na época da fartura, a quantidade era tanta, que muitos a tiravam do rio para instruir(desperdiçar). Outros colocam a culpa pelo sumiço delas na construção de uma barragem...
           Não sei ao certo porque as muçulinas desapareceram, só sei que aquele peixe que era símbolo de fartura e sobrevivência sumiu. O rio das onças nunca mais foi o mesmo sem as muçulinas. Boa parte da história de um povo desapareceu com elas e hoje sobrevive apenas das memórias dos pescadores.
       

Ithalo Ricardo Damasceno
8º C
Entrevistado Sr. José Aires
68 anos
    


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