O
RIO DAS ONÇAS E O SUMISSO DAS MUSSOLINAS
Nasci e me criei no Alto
Ferrão, um pequeno lugarzinho, no sertão do Ceará que faz parte da pequena e
pacata cidade de Itaiçaba.
Foi numa época muito difícil
de trabalho e de recursos, época que a pobreza e a fome andavam de mãos dadas.
Quando São Pedro e São José não mandavam chuva
não tínhamos um bom inverno e a safra no
roçado não era boa, tínhamos que literalmente “escapar” através da pesca no rio, que cortava a nossa comunidade, nosso heroico rio Jaguaribe
ou rio das Onças, que segundo os mais velhos ganhara esse nome porque muitas
onças vinham matar a sua sede às margens dele.
Comecei a trabalhar desde os
cinco anos de idade junto com meu pai no roçado e muitas vezes passei fome,
pois as coisas nessa época, como já falei eram muito escassas, não existiam
muitos empregos e ninguém recebia dinheiro do
governo, escola era só para os ricos e pobre não estudava.
Tudo era muito difícil e seria mais difícil
ainda se um rio não cortasse a nossa
comunidade.
Todos os dias acordávamos ainda sem ver a luz do dia para
irmos ao roçado. Mamãe preparava o café de manjerioba (feitas de uma bajas que
ela colhia no meio do mato) numa lata
que nós misturávamos com farinha e fazíamos o chibé (café misturado com farinha de
mandioca) .E em seguida caminhávamos um bom pedaço até chegarmos ao roçado.
Passávamos o dia no roçado( limpando,
plantando, muitas vezes não colhíamos quase nada, quando São Pedro não mandava chuva e o inverno não era bom.
Muitas vezes chegávamos cansado
em casa e não tínhamos nem o que comer direito.
E nessa luta fui crescendo...
e comecei a ajudar meu pai também na pescaria
,já que a cada ano o roçado estava sendo
menos generoso.
Comecei
a pescar aos 14 anos, naquele tempo não tínhamos bateira (pequeno barco de
pesca) pescávamos dentro do rio com água no pescoço ou em cima das camas de ar (Câmara
de pneu de caminhão utilizada como boias),pois o rio era muito fundo e
traiçoeiro, sempre ouvia meu pai dizer: :-Tenha cuidado ,não seja afoito, pois água não tem cabelo. Lembro-me bem daquele rio cheio de gamboas (Trecho
de rio que só tem água na maré alta e serve como uma espécie de armadilha para pegar
peixes. Cada gamboa tinha sido “batizada”, tinha o seu nome que era
carinhosamente chamada: A
do poço doce, Buraco de Simão, Zé
Varela, Gamboa dos Correias e rio a baixo tinha a Gamboa Zé Simão, Ingá e a
Arvera ,que ia até a ponte de Itaiçaba.
Hoje
as gamboas sumiram, dizem que foi por causa da construção dos viveiros para a
criação de camarão, outros dizem que foi a própria natureza. Só sei que as levo
intensamente em minha memória... gamboas
que mais pareciam labirintos... Onde nunca nos perdíamos e sempre achávamos com
facilidade o pão nosso de cada dia
Mas quero falar das pescarias,
mesmo não gostando muito, pois tinha medo de me afogar no rio.
. Nosso material de
pesca era a tarrafa, uma rede feita de linha nylon com chumbo nas bordas que
quando arremessada ao rio se abria toda como um guarda-chuva e ia se fechando
por causa do peso do chumbo para capturar os peixes. Também pescávamos com um
rengai ( uma rede de nylon que era
esticada dentro do rio e deixada lá por
horas , e depois de um certo tempo íamos
retira-la para ver quantos peixes haviam ficado presos.
Pegávamos muitos peixes, era
muita fartura: bagres, curimatãs, mas o
que mais pegávamos mesmo eram as muçulinas (Peixe bem pequeno , parecido com
uma piaba).Esse peixe era praticamente o sustento de todas as famílias da
comunidade.Com o inverno ruim e as plantações quase todas perdidas, a maioria
das pessoas passavam o dia no rio pescando muçulinas para se alimentar e também vendê-las.
A quantidade era tão grande
que muitos não acreditavam no que viam, mas parecia a história da ”Pesca Maravilhosa
da bíblia”... Levávamos sacos e mais sacos de muçulinas para casa, às vezes até
nossas roupas serviam para levar a enorme quantidade apreendidas. Época de
muito peixe, bem diferente de hoje
que só escuto reclamação dos poucos pescadores que ainda existem.
Numa dessas pescarias um fato
bastante marcante aconteceu comigo e marcou profundamente a minha vida.
Como de costume estava pescando
com meu pai e a tarrafa ficou presa num pedaço de árvore no fundo do rio. Ai eu
quis mostrar para meu pai como eu era corajoso e de imediato mergulhei para
desprender a tarrafa. A correnteza começou a me levar para mais fundo. De
repente pensei que iria morrer. O forgo (fôlego) começou a faltar, mas como se
alguém puxasse para cima, consegui boiar e por pouco não morri afogado...
Chorei bastante naquele dia,
uma mistura de alivio e medo, além disso, ainda levei umas tapas do meu pai.
Mas
nunca me esqueci das muçulinas que com o tempo foram sumindo, sumindo... Hoje
não a vemos mais no rio, muito dizem que foi castigo de Deus, pois na época da fartura,
a quantidade era tanta, que muitos a tiravam do rio para instruir(desperdiçar).
Outros colocam a culpa pelo sumiço delas na construção de uma barragem...
Não sei ao certo porque as muçulinas
desapareceram, só sei que aquele peixe que era símbolo de fartura e
sobrevivência sumiu. O rio das onças nunca mais foi o mesmo sem as muçulinas. Boa
parte da história de um povo desapareceu com elas e hoje sobrevive apenas das
memórias dos pescadores.
Ithalo
Ricardo Damasceno
8º C
Entrevistado
Sr. José Aires
68
anos
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